O ano de 1994 não foi marcado apenas pela implantação do Plano Real e o começo do controle da inflação. Ao mesmo tempo em que a nova moeda passou a circular no país, um novo horizonte se abriu também para as produções culturais brasileiras. Em especial, para o cinema.
Naquele ano, o cenário para o setor era devastador.
A Embrafilme, empresa brasileira de cinema de produção e distribuição fundada em 1969 havia sido encerrada em 1990 pelo governo de Fernando Collor de Mello. E isso resultou em um hiato das políticas públicas para a produção nacional.
Mas o embrião da retomada remete a julho de 1993, quando foi promulgada a Lei do Audiovisual, com o objetivo de fomentar o cinema brasileiro por meio de dedução de impostos.
Dessa maneira, a legislação passou a permitir que pessoas físicas e jurídicas patrocinassem projetos audiovisuais aprovados, com abatimento dos valores na declaração do Imposto de Renda. Assim, com o surgimento do Plano Real, forma-se o cenário ideal para que muita gente voltasse a produzir.
Retomada do cinema brasileiro
A partir daí, teve início um lento processo de recuperação que foi batizado de ‘retomada’. É um processo que começa em 1995 e termina 20 anos depois, em 2015.
Aos poucos, a produção de longas-metragens foi se recuperando. Ou seja, diretores veteranos voltaram a filmar, novas gerações surgiram e outras formas de financiamento foram criadas em meio à revolução da internet.
‘Carlota Joaquina, Princesa do Brazil’ marca o início desse período, que durou 30 anos. Produzido com baixo orçamento pela diretora Carla Camurati, o filme trata com bom humor um momento histórico importante do Brasil colônia.
Nos primeiros anos da recuperação da produção de longas-metragens, destaca-se a ação da RioFilme, que durante alguns anos foi a única distribuidora a lançar produções nacionais.
À frente do órgão da prefeitura carioca no ano de lançamento no Plano Real estava Paulo Sérgio Almeida. Aos 79 anos., hoje ele é diretor do Filme B, portal referência sobre o mercado de cinema no Brasil.
“O efeito que o Plano Real fez na economia em geral fez também no cinema. Isso porque a atividade cinema nunca foi tão beneficiada como foi com o Plano Real. Porque ele deu uma sensação de que todo mundo estava com dinheiro, e que o dinheiro valia”, lembra Paulo Sérgio, que dirigiu filmes como ‘Beijo na Boca’ (1982), ‘Banana Split’ (1988) e ‘Xuxa Popstar’ (2000).
A partir daí, os filmes começaram a ser feitos em grande escala. “Começaram a dar grandes resultados e lucros, coisa que o cinema nunca deu, nunca havia dado lucro assim, a não ser aqueles campeões de bilheteria, como ‘Dona Flor e Seus Dois Maridos’ e ‘A Dama do Lotação’. Teve muito filme”, destaca o cineasta.
Dos tempos de implantação do Plano Real, Paulo Sérgio se recorda do preço do cinema, que aumentava toda semana, e do que chamou de “euforia” com a chegada da nova moeda. “As pessoas se sentiram ricas, poderosas, em parte com a razão”, afirma o cineasta.
Então, de acordo com o diretor do Filme B, os anos de retomada foram “anos dourados”, com destaque para o filme ‘Central do Brasil’.
“Foi um longa excelente, que resgatava o melhor do Cinema Novo, ou seja, uma estética diferenciada do cinema brasileiro. Além disso, foi um filme de público, conquistou o mundo, vencendo o Urso de Ouro no Festival de Berlim e sendo indicado ao Oscar. E foi vendido para todos os países do mundo”, destaca ele.
Números da retomada (1995-2015)
FILMES LANÇADOS | 1.154 |
RENDA TOTAL ** (1.082 FILMES) | R$ 2,07 MILHÕES |
PÚBLICO TOTAL ** (1.082 FILMES) | 251,5 MILHÕES |
MÉDIA DE RENDA POR FILME | R$ 1,91 MILHÃO |
MÉDIA DE PÚBLICO POR FILME | 232,4 MIL |
MÉDIA DE LANÇAMENTOS POR ANO | 57,7 FILMES |
A seguir relembre obras que marcaram o período de implantação do Plano Real.
‘Carlota Joaquina – Princesa do Brazil’ (Carla Camurati, 1995)
De acordo com o site Filme B, o lançamento de ‘Carlota Joaquina – Princesa do Brazil’, em janeiro de
1995, é o marco inicial da retomada. Lançado em uma espécie de processo de guerrilha pela diretora Carla Camurati e pela produtora Bianca de Felippes, o filme foi o primeiro dessa nova fase a alcançar a marca de um milhão de espectadores.
‘Terra Estrangeira’ (Walter Salles e Daniela Thomas, 1995)
Ele é assinado por Walter Salles e Daniela Thomas. O longa tem como pano de fundo a eleição de Fernando Collor de Mello e o plano econômico implementado em 1990.
Com Fernanda Torres no elenco, o filme conta a história de um jovem (Fernando Alves Pinto) que resolve migrar para Portugal.
‘Central do Brasil’ (Walter Salles, 1998)
‘Central do Brasil’, filme de 1998 dirigido por Walter Salles, tornou-se um clássico do cinema nacional, com indicações e prêmios no Oscar, Bafta, César e Globo de Ouro.
Foi indicado ao Oscar nas categorias de Melhor filme estrangeiro e Melhor atriz, para Fernanda Montenegro.
No Globo de Ouro, venceu como Melhor filme estrangeiro e recebeu a indicação em Melhor atriz em filme dramático, também para Montenegro.
‘O Médico e o Monstro’ – Direção: Marco Nanini
Com Ney Latorraca no elenco, a peça em cartaz no Teatro Cultura Artística foi um dos destaques do teatro em 1994.
A trama gira em torno de um médico respeitável, Dr. Jekyll, que inventa uma fórmula química e se transforma em Mr. Hyde, um homem perverso. Custava entre R$ 8 (cerca de R$ 64 corrigidos) e R$ 18 (R$ 145), dependendo do dia e do setor do teatro.
Filmes estrangeiros
Em julho de 1994, quando foi implantado o Plano Real, estavam em cartaz longas como ‘Quatro Casamentos e um Funeral’, ‘O Rei Leão’, ‘A Igualdade é Branca’ e os ‘Flintstones’.
Os ingressos custavam entre R$ 2 e R$ 6 (aproximadamente R$ 16 e R$ 48 em valores atualizados).
‘Quatro por Quatro’ – novela da Rede da Globo
Uma das principais novelas da Globo no ano de 1994 foi ‘Quatro por Quatro’, dirigida por Carlos Lombardi.
Então, a trama apresentava conflitos amorosos repletos de separações, reconciliações e tramoias.
“Quatro carros dirigidos por mulheres descontroladas se chocam no caótico trânsito do Rio de Janeiro. Assim se dá o encontro entre a dondoca Abigail (Betty Lago), a dona de casa Auxiliadora (Elizabeth Savala), a tímida secretária Tatiana (Cristiana Oliveira) e a manicure Babalu (Letícia Spiller).
Elas acabam presas na mesma cela e bastam alguns minutos para que descubram que, naquele mesmo dia, todas haviam perdido o homem amado. Uma por todas, todas por uma, elas decidem se unir em um projeto de vingança contra seus algozes, desejando a eles a mesma dor que sentiam”, descreve a trama o site Memória Globo.