Che Guevara está morto. É 1967. O comandante de polícia do ministério do Interior da Bolívia, Roberto Quintanilla, ordena: amputem as mãos do guerrilheiro revolucionário. Quatro anos depois, Monika Ertl vinga sua morte: ela assassina o militar. Então, em 1973, Monika é morta em La Paz após tiroteio com forças de segurança nacional. Ela fazia parte do Ejército de Liberación Nacional.
Ficção ou verdade?
Verdade. Monika é filha de Hans Ertl. Ele viveu na Bolívia. Antes, havia sido cinegrafista de Leni Riefenstahl. Leni, por sua vez, era a cineasta preferida de Hitler.
Tudo verdade.
E é esse o ponto de partida de ótimo livro lançado recentemente pela Manjuba. Manjuba é o selo de não-ficção – reparem, não ficção – da editora Mundaréu.
Como bem indica o release de lançamento da obra, trata-se de um “pai de extrema-direita. Uma filha militante de esquerda. O que a história dessa atípica família nos revela sobre as conexões transatlânticas entre fugitivos nazistas e a sociedade boliviana da segunda metade do século XX?”
O livro se chama ‘Surazo – Monika e Hans Ertl: uma história alemã na Bolívia’.
Vale a leitura de ‘Surazo’?
Vale a leitura, cada linha. E vale gastar os R$ 86 que a Amazon.com cobra por ele. Mas não espere uma leitura fácil, fluída. A autora, Karin Harrasser, escreve a partir de flashbacks. Ela descreve passagens de suas visitas à Bolívia, ou sobre seu cotidiano na Alemanha e, partir de então, volta ao passado da família Ertl.
Mas trata-se de um conteúdo bem apurado e detalhista. E reflexivo. A história, inclusive, vai desatando nós que mostram a teia de relacionamentos entre os egressos do nazismo e governantes autoritários na América do Sul, especialmente na Bolívia escolhida por Hans para viver após a guerra.
A sensação por trás do livro
A ideia original de Karin era escrever um livro sobre as missões jesuítas da Alemanha na Bolívia no século XVII. Mas logo desviou-se do tema após assistir um filme no YouTube que mostra Hans. A partir daí, Karin parece tomada pela história, absorvida como nos faz crer na leitura.
E a autora traz um componente interessante à escrita. Ela relata tudo com um olho na história e outro no feminino. A angustia dela ao pesquisar é a mesma que transparece ao leitor: quem foi Monika? Como ela se tornou guerrilheira? Quais outros motivos a levaram à radicalização pela esquerda?
Nos parece, e essa é a conclusão que se chega após 286 páginas, que existe muito mais para saber e descobrir sobre Monika. É uma sensação estranha. E nesse sentido, semelhante com a que você sente ao se deparar com os macacões cinzas que presos políticos usavam no Uruguai. Eles estão pendurados em uma sala do Museo de la Memoria em Montevidéu, no Uruguai.
Os macacões ali pendurados e você gostaria de saber mais sobre aqueles presos políticos, suas histórias, ideais e motivações. Mas é impossível, pois talvez alguns deles estejam mortos. Como Monika.
‘Surazo – Monika e Hans Ertl: uma história alemã na Bolívia’
Autora: Karin Harrasser Tradução: Daniel Martineschen Preço sugerido: R$ 56,00 Número de páginas: 286 Data de lançamento: 20/5 |