Nos últimos meses, a dificuldade de contratar mão de obra tem sido tema onipresente em encontros do setor imobiliário. Tornou-se comum ouvir que “o filho do pedreiro não quer ser pedreiro”, que há desinteresse dos jovens pelo setor e que o envelhecimento dos trabalhadores da construção já é uma realidade. Tudo isso levaria a uma pressão cada vez maior sobre o custo da mão de obra.
Esse aumento está acontecendo, mas vinha sendo amenizado por uma inflação mais suave dos preços dos materiais de construção. O cenário, no entanto, parece estar mudando.
Impacto em projetos para baixa renda
Em relatório publicado nesta semana, analistas do Itaú BBA, liderados por Daniel Gasparete, chamam a atenção para um aumento paulatino dos preços dos materiais de construção, que poderia impactar, principalmente, as companhias que constroem para clientes de baixa renda, como no programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV).
A inflação do setor é calculada pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O indicador terminou setembro – o resultado de outubro será divulgado na segunda-feira (28) – acumulado em 5,23% nos últimos 12 meses. Há um ano, o percentual era de 3,21%.
Em setembro, houve alta de 0,61%, ante 0,64% em agosto. Na capital paulista, que concentra as incorporadoras de capital aberto e parte importante dos lançamentos do país, a taxa ficou pouco acima da média nacional, com 0,64% de aumento. Porto Alegre viu os preços subirem o dobro da média nacional no mês, com 1,23%.
Materiais de base
Porém, esses aumentos são baixos ao considerarmos o comportamento do INCC desde a pandemia. Durante 2021, o indicador acumulado ultrapassou 17%, justamente puxado pelo preço dos materiais de base, afetados pela disrupção das cadeias produtivas. Após esse período, esses preços ficaram estáveis ou até caíram.
Quem atua no setor já sente mudanças. Marcos Vinicius, sócio e diretor da incorporadora Habras, que constrói para a baixa renda, afirma que o preço dos materiais tem aumentado, principalmente em itens ligados ao cimento, como blocos de concreto. “Já houve dois aumentos neste ano. Subiram quase 16%”, diz.
Os analistas do Itaú BBA lembram que, apesar de a indústria do cimento no país ainda trabalhar com capacidade ociosa elevada, de 32%, as vendas aumentaram, o que pode levar a reajustes.
O Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic) divulgou, no início do mês, que as vendas do produto subiram 10,4% em setembro, na comparação anual, para 5,8 milhões de toneladas. No acumulado do ano, o aumento é de 3,8%. Isso fez a entidade elevar sua projeção de alta vendas para 2024, agora em 2,8%.
Outros materiais de base já estão com preços maiores. “Para os componentes ligados às commodities, o pacote recente de estímulos da China se traduziu em recuperação considerável dos preços do aço e do cobre (alta de 10% em três meses)”, destacam os analistas.
Isso afeta mais o setor de baixa renda do que as incorporadoras voltadas para o médio e alto padrão, porque, por ser padronizada e usar métodos construtivos mais industrializados, a obra para a baixa renda tem uma participação maior do seu custo vindo dos materiais do que da força de trabalho.
Vendas em alta
As vendas também ocorrem com velocidade maior, porque há mais demanda e os preços são menores, o que atrapalha os reajustes de preço pela inflação ao longo da obra.
A dúvida é se um possível aumento nos custos poderá atrapalhar um setor que vem apresentando crescimento tão forte nos últimos meses, graças aos estímulos do MCMV e de programas estaduais e municipais. Os lançamentos das incorporadoras listadas em bolsa, focadas em baixa renda, subiram 38,5% no acumulado dos primeiros nove meses do ano, e as vendas cresceram 39% no mesmo período, segundo levantamento realizado pelo Valor com base em dados das prévias operacionais dessas empresas.
*Com informações do Valor Econômico